terça-feira, 31 de dezembro de 2013

                   Região Oeste abriga mais de 600 haitianos
        Eles vêm para a região em busca de uma vida melhor.
Diversos haitianos trabalham em Chapecó
Foto: Isabela Sudatti/RedeComSC


                     Diversos haitianos        trabalham em Chapecó- SC

Ao andar pelas ruas de Chapecó é possível perceber as diferenças culturais que aos poucos ganham forma. Um exemplo são os vários haitianos que começaram a vir para a cidade, a maioria deles trabalha em construções, indústrias e mercados. São pessoas que deixaram a família, País e cultura em busca de uma vida melhor para si e para quem ainda mora no Haiti.

Para o haitiano e repositor de frutas, Dumond Dieufort, o principal problema do País é a má administração pública. “Há anos o Haiti sofre com a falta de compromisso dos políticos e isso prejudica a população, que não tem como sobreviver”, relata. Dieufort explica que as pessoas que tem família ou amigos que já trabalham em alguma empresa, conseguem emprego, mas, aqueles que não têm indicação, geralmente ficam sem onde trabalhar.


Educação
De acordo com Dieufort, a educação haitiana é muito boa se comparada com o Brasil. “A maioria das escolas de lá é particular e são muito melhores, mas as públicas também são muito boas”, conta. Ele aprendeu a falar espanhol na escola e chegou a iniciar uma graduação, mas, após a morte da mãe, não conseguiu concluir os estudos.

Os filhos do haitiano podem estudar em uma escola particular com o dinheiro que o pai manda. “Consigo mandar dinheiro para a minha família, mas sinto muito a falta deles, tenho planos de trazer minha esposa e meus filhos pra cá ainda este ano”, comenta.

Dieufort veio para o Brasil a cerca de sete meses, já fez amigos brasileiros, mas pensa em voltar para o País onde nasceu. “Minha vida lá era boa, pois tinha meus amigos e minha família por perto, vim para cá em busca de uma vida melhor em um País mais avançado que o meu, aos poucos eu consigo, mas um dia quero voltar para o Haiti”, conta.


Emprego
Derilet Verneus, 55 anos, tem quatro filhos e está em Chapecó a cerca de oito meses. Veio para o Brasil, pois recebeu a informação de que havia oferta de emprego e como não conseguia trabalhar no Haiti, optou pela mudança. Ele trabalha como empacotador de mercadorias e gosta do emprego, pois consegue mandar dinheiro para a família.

Nos três primeiros meses, Verneus ficou em um albergue, mas hoje mora com mais quatro haitianos. A língua e a saudade dos amigos e da família são as principais dificuldades, mas, assim que conseguir juntar dinheiro, ele pretende voltar ao País natal. “Gosto do Brasil e do meu trabalho, mas quero um dia poder voltar para o Haiti”, conta.

Antes de vir para Chapecó, o haitiano Dumond Dieufort trabalhava como pedreiro. “Era bom trabalhar nas construções, mas era perigoso, pois tínhamos que subir vários andares e aqui, ganho um salário melhor” relata. O haitiano soube dos empregos disponíveis no Oeste de Santa Catarina, através de amigos que já moravam na região.


Processo
De acordo com informações da Câmara de Dirigentes Lojistas de Maravilha (CDL), a empresa Safegold é uma das corporações que auxilia na vinda dos haitianos para o Brasil. Entretanto, para que os estrangeiros entrem no País, existe uma legislação a seguir.

De acordo com o agente da Polícia Federal, hoje são cerca de 660 haitianos na região Oeste. Eles chegam no Brasil de forma ilegal, normalmente em um ponto de fronteira no Estado do Acre, solicitam refúgio, e são encaminhados para a delegacia e já saem com autorização para fazer a carteira de trabalho e com um protocolo que reconhece a legalidade. “Este documento vale até ser deferido ou indeferido o pedido de refúgio deles”, explica o Edson. Se eles vierem com a família, o pedido de um vale para todos. 

Com este protocolo em mãos, os imigrantes emitem o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e a Carteira de Trabalho, ficando aptos a ingressarem e trabalharem em qualquer lugar do Brasil. Ainda, é realizada a investigação criminal dos imigrantes antes da emissão do protocolo. Este documento tem validade inicial de 180 dias e deve ser renovado na Polícia Federal, junto com a carteira de trabalho. “O pedido leva cerca de oito a 10 meses para ser aceito ou não, e caso o pedido seja indeferido, os haitianos tem um prazo para defesa. Se for negado novamente, eles tem que deixar o País”, ressalta o agente. 

A documentação tem validade de seis meses, após este período a empresa empregadora deve encaminhar os haitianos para o órgão responsável para regularizar a situação. Na verdade, o processo consiste em informar ao Ministério do Trabalho que os haitianos ainda estão trabalhando na empresa e as condições de trabalho.

Segundo a gerente do departamento de Recursos Humanos do supermercado que contratou os haitianos, eles recebem o mesmo salário, benefícios e direitos dos colaboradores brasileiros. “Eles são tratados como iguais e ainda buscamos ajudar com cestas básicas e moradia”, explica.

Acordo
Edson explica que no caso dos haitianos, há uma espécie de acordo entre o Brasil e o Haiti para facilitar o visto deles aqui. O acompanhamento do processo deve ser feito por cada um através do site do Ministério da Justiça.

Fonte: RedeComSC

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

MEMÓRIA POLONESA , PALADAR CATARINENSE

Tradição dos imigrantes poloneses faz sucesso em SC nesta época do ano.
Tradição dos imigrantes poloneses de Santa Catarina, o pirogue (ou ‘pierog’) é um pastel salgado cozido fácil de fazer e que faz muito sucesso na época do Natal.
Itaiópolis é um pedaço da Polônia antiga no Brasil. A cidade tem 20 mil habitantes e cerca de 90% são descendentes de poloneses. A arquitetura típica da cidade ainda está presente nos lambrequins, enfeites nos beirais das casas, e na igreja Santo Estanislau, uma homenagem ao santo polonês. Já os grupos folclóricos preservam a cultura e as danças típicas dos colonizadores.
Os imigrantes foram para Santa Catarina em busca de melhores oportunidades, que no Brasil, apareceram principalmente no campo. Até hoje, a agricultura é a principal fonte de renda do município e responde por 60% da receita. As principais culturas são a batata, as verduras e as frutas, como a maçã.
O que vem da terra vai direto para a mesa, nos pratos típicos. A ceia natalina polonesa é um exemplo da diversidade e também é montada com base nos cultivos mais comuns da região. O resultado é uma celebração farta e de acordo com as tradições dos imigrantes.
A quantidade de receitas também segue o costume, entre elas está o pirogue, prato típico polonês, que é basicamente uma massa recheada com batata e ricota.
(G1 – 24/12/2013)

2 mil haitianos vivem “sonho curitibano”

Trabalhando na construção civil, em restaurantes e supermercados, imigrantes ganham mais que em seu país e fazem a alegria das casas de câmbio

Difícil andar pelo centro de Curitiba e não ver um haitiano. Hoje, segundo estimativas da Pastoral do Migrante, há mais de 2 mil circulando pela cidade e pela região metropolitana, dos quais 60% homens com idade entre 20 e 40 anos. Educados e solícitos, eles deixam a capital mais simpática e movimentam o mercado de trabalho, carente de mão de obra no setor construção civil, e a própria economia.
Jean Peoul, 24 anos, é um deles. Conseguiu trabalho como ajudante de obras logo que chegou a Curitiba, há um ano e dois meses. Pouco tempo depois, teve uma promoção e virou pedreiro. “Percebi que quando a pessoa estuda aqui no Brasil, ela cresce profissionalmente”, diz.
Bruno Covello/Gazeta do Povo
Bruno Covello/Gazeta do Povo / Sony Sylvéus, 28 anos: contador no Haiti: “Às vezes ouço os brasileiros dizerem ‘vou juntar dinheiro para comprar um carro’ e falo: ‘Mas, poxa, por que você não investe em estudo?’’’Ampliar imagem
Sony Sylvéus, 28 anos: contador no Haiti: “Às vezes ouço os brasileiros dizerem ‘vou juntar dinheiro para comprar um carro’ e falo: ‘Mas, poxa, por que você não investe em estudo?’’’
Dificuldade
Português é barreira para revalidar diploma
Uma pesquisa informal feita pela Agência do Trabalhador com 74 haitianos aponta que 37% deles completaram o ensino médio no Haiti. Como o grau não tem validade no Brasil, eles precisam revalidar o diploma no Colégio Estadual ou no Instituto de Educação do Paraná, mas esbarram na língua portuguesa.
Neste ano, apenas 30 haitianos conseguiram convalidar o grau no Instituto. Segundo o diretor geral do colégio, José Frederico Mello, há outros pedidos. “Muitos querem validar, mas não conseguem porque não conseguem aprender o português”, conta.
No Colégio Estadual, apenas três conseguiram convalidar o diploma. “Há muitos pedidos, mas o principal empecilho aqui também é o português”, relata o secretário geral, Paulo Cesar Batista. Para ele, falta apoio aos haitianos aqui em Curitiba.
“O ideal seria que eles tivessem uma classe de língua portuguesa com metodologia de ensino para estrangeiros. Não adianta nada você começar um projeto e colocar um voluntário qualquer para ensinar o idioma a eles”, conta.
Salário dez vezes maior
A média de salário haitianos em Curitiba é de R$ 1 mil, segundo Maria Tereza Rosa, psicóloga da Agência do Trabalhador de Curitiba. O valor é quase dez vezes maior do que o mínimo do Haiti, equivalente a pouco mais de R$ 100.
Peoul fez um curso oferecido pelo Senai-PR. Com a promoção, viu o salário aumentar para R$ 1,8 mil. “Já consegui comprar geladeira, colchão e um celular de R$ 200, tudo à vista, pois não quero ficar pagando juros”, conta Peoul, que vive em uma casa alugada em Pinhais. A cada dois meses, ele envia R$ 400 para sua mãe e sua irmã, que ainda moram no Haiti.
Câmbio movimentado
A remessa de dinheiro para o país tem movimentado as casas de câmbio na cidade. Na Fair Câmbio, localizada no Shopping Itália, o envio mensal é de R$ 300 mil, segundo a atendente Mara Silva. Quanto maior o valor, maior a taxa. A cada R$ 100, a agência cobra R$ 10 mais R$ 0,93 de IOF. No fim do mês, o lucro bruto mínimo da corretora é de mais de R$ 30 mil. “Alguns vêm aqui todo dia para mandar dinheiro”, conta Mara. Na corretora, o Haiti representa 80% de tudo o que é enviado ao exterior, seguido do Líbano e do Equador.
Na Flex Câmbio, no mesmo shopping, são enviados R$ 500 mil por mês ao Haiti. “Do dia 5 ao dia 15 do mês, vêm até aqui 100 haitianos por dia, em média. Do começo do ano pra cá, o atendimento aumentou em 150%”, relata a atendente Maria Helena Cochinski.
Para Peoul, o Brasil é um local de oportunidades, onde não falta emprego, e daqui ele não sai. O país, no entanto, tem um problema: a comida. “Arroz com feijão é bom, mas enjoa comer todos os dias. Além do mais, é muito caro. Eu gasto mais de R$ 300 (valor do seu vale alimentação) por mês para me alimentar”, diz.
Da construção civil ao fast food
A Agência do Trabalhador de Curitiba atende de 10 a 15 haitianos por dia. Eles são contratados principalmente para a construção civil, como é o caso de Jean Peoul, e por redes de supermercado e de fast food.
O Kharina, por exemplo, já tem 27 haitianos em seu quadro de funcionários. Reginald Alfred, 29 anos, está na rede desde março. Ele é atendente de produção, ganha R$ 1,4 mil e já conseguiu comprar eletroeletrônicos e eletrodomésticos. “Adquiri tudo o que preciso para viver. Tenho até computador e internet”, conta.
Ele mora em uma casa alugada e paga R$ 350 por mês, mas não pretende ficar por aqui por muito tempo. “Quero viajar e conhecer o mundo”, conta Alfred, que já viveu no Peru, Panamá e até no Peru. Aqui ele é um atendente, mas no Haiti era psicólogo e comunicador.
Sony Sylvéus, 28, está no Kharina faz um ano. Contador no Haiti, ele foi contratado como atendente de salão na rede. Com o salário de R$ 1,8 mil, conseguiu adquirir vários bens. Mas o que ele quer mesmo é crescer profissionalmente. “Quero uma carreira ascendente. O Brasil precisa dar mais oportunidades para o meu povo, como um dia deu para os japoneses, alemães, italianos e outros que moram aqui.”
Sylvéus, como outros haitianos de Curitiba, colocam a educação como prioridade. “Às vezes ouço os brasileiros dizerem ‘vou juntar dinheiro para comprar um carro’ e falo: ‘Mas, poxa, por que você não investe em estudo?’’
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br//economia/conteudo.phtml?tl=1&id=1436244&tit=2-mil-haitianos-vivem-sonho-curitibano

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

 

18 de dezembro, Dia Internacional dos Imigrantes: Sonho e Direito não têm Fronteira!


O Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante/CDHIC, se pronuncia em referência ao que hoje representa o Dia Internacional do Imigrante:
Desde o ano de 1990, por ocasião da aprovação pela Organização das Nações Unidas/ONU, da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias, a data de 18 de Dezembro foi estabelecida como Dia Internacional dos Imigrantes. Segundo a ONU, a quantidade de pessoas que deixaram seus países de origem cresceu de 154 milhões em 1990, a 232 milhões este ano. Estes números demonstram por si só a enorme dimensão e a importância que possui o tema das migrações. Deve-se ter especial atenção às condições de vida dos imigrantes e suas famílias nos países em que decidiram viver, para onde se deslocaram por um motivo ou outro, e se estabeleceram como pessoas que sonham e correm atrás da dignidade e, sobretudo, da felicidade!
O Brasil é hoje reconhecido como o país líder da América do Sul, pelo seu crescimento econômico, mas também por ter desenvolvido nos últimos tempos uma política exterior ativa, no marco das relações Sul-Sul, promovendo o desenvolvimento econômico e social. As migrações são um fenômeno histórico que ganharam força nos últimos tempos. O Brasil foi primeiramente um país emissor de migrantes, mas hoje a tendência está se revertendo: não só os expatriados estão retornando, mas novos fluxos migratórios tem como alvo o Brasil, especialmente de países da região (Argentina, Equador, Paraguai, Bolívia, Peru) e de casos pontuais do Caribe (Haiti), países africanos (Congo, Mali, Senegal, Angola, Guiné- Bissau) e recentemente uma expressiva migração de refugiados sírios e libaneses.
Segundo o Departamento de Estrangeiros do MJ, até junho de 2011 o Brasil tinha 1,466 milhão de estrangeiros. Este número representa um aumento de quase 65% (aproximadamente 500 mil imigrantes) sobre o número de imigrantes registrados no Brasil até 2009.  Não há estatísticas oficiais sobre a quantidade de imigrantes em situação irregular no país, mas, conforme estimam as principais organizações que trabalham sobre o tema migratório no Brasil os irregulares chegam a 600 mil, o que levaria o total de estrangeiros morando hoje no Brasil para mais de dois milhões.
Feita esta introdução, vale destacar alguns fatos, embora tenham ambiguidades na aplicação: 
  • No plano regional, houve a adesão da maioria dos países da América do Sul ao Acordo de Livre Trânsito e Residência para Nacionais do Mercosul que estabelece os requisitos para a residência permanente e temporária, um avanço, mas com sérios entraves na prática diária, afetando principalmente alguns grupos como mulheres, adolescentes e trabalhadores imigrantes.  O Equador, um país marcado por ser de origem, trânsito e destino de imigrantes criou em 2007, a SENAMI – Secretaria Nacional de Imigração, contando inclusive com uma Ministra de Migração. A Argentina instituiu o programa Pátria Grande, com o qual regularizou a situação migratória de mais de 500 mil imigrantes em convênios países fora da UNASUL (União das Nações Sul-americanas de Nações), como Senegal e República Dominicana.
  • No plano nacional, infelizmente ainda vigora o Estatuto do Estrangeiro, da década de 70, baseado no controle policial do imigrante, que criminaliza a imigração e não dá acesso aos direitos básicos já alcançados pelos brasileiros (uma lei xenófoba que desrespeita os direitos humanos dos imigrantes e suas famílias). Prevalece a morosidade em sua revisão legislativa e formulação de uma política nacional, pois estamos desde 2005 sem avanços embora a Secretaria Nacional de Justiça ter se manifestado em Audiências e Seminários a favor de alterações e adequação deste marco legal, não se vê um indicativo que de esta mudança acontecerá. 
  • A falta de adequação do marco legal federal faz com que o imigrante continue tendo a Polícia Federal como responsável por todo seu atendimento, com evidente despreparo para questões civis, culturais, de direitos humanos, incapacidade numérica e técnica. Defendemos havia muitos anos a criação de um órgão civil, federal, capaz de desempenhar este papel e formular políticas para a área, acompanhado de descentralização dos serviços.  
  • Cabe ressaltar que a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias da ONU, ainda não foi ratificado pelo Governo do Brasileiro, apesar de inúmeras declarações favoráveis.
Alguns avanços, resultantes da luta organizada:
No ano 2013, nas diversas ações realizadas sobre a questão migratória no Brasil por parte das entidades, movimentos, grupos organizados e também por parte do Poder Público destacamos alguns avanços:
  • Exatamente um ano atrás, no dia 18 de dezembro de 2012, o Centro de Direitos Humanos e cidadania do Imigrante e o Instituto de Relações Internacionais da USP realizaram o Seminário “Por uma Política Municipal de Migração em defesa da Vida e da Dignidade dos Trabalhadores Imigrantes e suas Famílias”, com excelente participação de imigrantes. Duas propostas efetivas resultantes daquele encontro tornaram-se concretas: a criação da Coordenação de Políticas para Migrantes no âmbito da Prefeitura de São Paulo e a realização da I Conferência de Políticas para Imigrantes, realizada de 29/11 a 01/12.
  • Temas de extrema relevância ganharam destaque como é o caso da Educação, Acesso dos Imigrantes à Saúde Pública e atenção à questão de Gênero, crianças, e idosos, no contexto familiar dos imigrantes devem ser reconhecidos e priorizados. Salientamos que o papel da mulher migrante na construção e sua luta pelo seu espaço e reconhecimento tem se visto muito mais ativo principalmente nas organizações de base das comunidades migrantes em São Paulo.
  • É notório da sociedade brasileira expectativa pela cultura e pelas amostras artísticas diversificadas. Cabe ressaltar que o tema das migrações está adquirindo uma superação do “provincianismo” principalmente na cidade de São Paulo com a valorização cultural dos imigrantes, sua riqueza e diversidade exposta contribuindo para a integração dos povos.
  • A promoção dos espaços de participação cidadã, audiências públicas, debates e a visibilidade das reivindicações das comunidades ganharam força. Nessa linha, se destaca a Prefeitura de São Paulo que enfrentou a vulnerabilidade dos imigrantes com o Convênio com a Caixa Econômica, dando acesso a aberturas de contas e créditos.
  • A Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes e a convocação da Comigrar – Conferencia Nacional de Migrações e Refúgio a ser realizada em 2014, são ações positivas de 2013, que respondem cobranças históricas das entidades e das mobilizações populares. Diálogos institucionais e os casos concretos de participação social, da possibilidade de integrar formalmente o inédito Conselho Participativo das Subprefeituras promovido pela Secretaria de Direitos Humanos do Município de São Paulo, por meio do voto, fortalecem a defesa dos direitos políticos dos imigrantes.
Campanha pela aprovação da PEC do direito ao voto do imigrante:
O ano de 2014 se projeta como um ano de participação ativa dos imigrantes na vida política e social do país. Por isso, se faz urgente articular a Campanha Permanente ‘Aqui Vivo, Aqui Voto’ - Pelos Direitos Políticos dos Imigrantes residentes no Brasil, pela aprovação da PEC – Proposta de Emenda Constitucional 347/2013, que permitirá o imigrante votar e ser votado nas eleições brasileiras, sendo assim, politicamente visível e terá condições de lutar por suas reivindicações. Esta Campanha precisa se fortalecer e ganhar adeptos!
Porém, 2013 deixou evidente que o Brasil precisa se definir e dar uma resposta à altura de sua projeção internacional à pergunta: “Qual política migratória pretende desenvolver?” “Qual paradigma quer seguir?”. Para tanto, nosso país não pode retroceder quantos aos avanços já obtidos nos últimos anos, seja pelo Conselho Nacional de Imigração – CNIg-MTE, por meio de resoluções e portarias, assim como o Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE e o Departamento de Estrangeiros/SNJ, que mesmo sem a necessária reformulação do marco legal, têm dado respostas a fatos suscitados, com base em direitos humanos dos imigrantes, embora deixam no ar dúvidas ao entrelaçar uma parceria com OIM – Organização Internacional das Migrações, na preparação da Conferencia Nacional de Migrações e Refúgio/MJ. A OIM vem recebendo críticas de entidades e movimentos sociais de imigrantes em âmbito mundial, por suas relações com governos que mantém políticas repressivas.
Sonho e direito não têm fronteira!
Alterar a legislação, garantir direitos a todos e todas, descentralizar serviços públicos, enfim, garantir oportunidades aos imigrantes e suas famílias são formas de enfrentar preconceitos que em 2013 todos nós tivemos contato: Médicos de diversas nacionalidades, especialmente cubanos tiveram manifestações de xenofobia por parte de segmentos reacionários; a mídia corporativista e sensacionalista insistiu em tratar a vinda de haitianos pela região norte do país como uma “invasão” ou “uma grande epidemia”; pessoas de referência ou comentaristas de programas jornalísticos trataram da Bolívia com desconhecimento e discriminação – estes e outros exemplos podem ser enfrentados com muito mais força e prevenidos se o Brasil amadurecer uma política migratória que abandone velhos conceitos e aponte para o novo: nenhuma pessoa é ilegal!
 CDHIC – Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante 
Secretaria Técnica da Articulação Sul-americana Espaço Sem Fronteiras
Entidade membro do Comitê Internacional organizador do Fórum Social Mundial de Migrações
LEIA na íntegra no site: http://www.cdhic.org.br/?p=1560

Imigrantes do Senegal comemoram dia sagrado e conquistas de direitos em Caxias do Sul - RS

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Débora Fogliatto
No Senegal, milhões de fieis da Irmandade Muride, ordem religiosa islâmica, dirigiram-se para a cidade de Touba no dia 22 de dezembro, para comemorar o dia sagrado de sua religião. A Grand Magal de Touba (Grande Festa de Touba) é celebrada no dia 18 do mês lunar de Safar em todo o país, quando peregrinos vão até a Grande Mesquita reafirmar seu compromisso com a confraria fundada pelo Cheikh Ahmadou Bamba.
Neste ano, a cidade de Caxias do Sul, na serra gaúcha, recebeu sua própria versão da Grande Magal. Centenas de imigrantes rezaram, cantaram e agradeceram em suas línguas natais – francês e wolof – em português e em árabe, língua do Alcorão. A festa foi realizada no salão da igreja Nossa Senhora de Fátima, no bairro Cidade Nova, começou às 10h e durou todo o domingo. Os senegaleses usaram trajes típicos e uma camiseta feita especialmente para a ocasião e não economizaram nas comidas e bebidas – refrigerante, suco e água, pois álcool, assim como cigarro, não é consumido pelo grupo.
Em Touba, os peregrinos são recebidos nas casas dos moradores sem pagar nada, e os fiéis economizam dinheiro para gastar em comida neste dia. Em Caxias, a comunidade arrecadou dinheiro entre os senegaleses, enquanto as visitas – os brasileiros que participaram da festa – não pagaram nada.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
A festa reuniu senegaleses e convidados brasileiros | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
A Caxias senegalesa
Os cerca de 650 imigrantes começaram a chegar na cidade principalmente desde o ano passado, trabalhando em indústrias e vivendo em alojamentos ou apartamentos compartilhados. São, em sua maioria, homens jovens que viajam para conseguir empregos melhores e mandar o dinheiro para as famílias que ficaram no Senegal. A situação econômica  do Brasil e as possibilidades de trabalho em Caxias são consideradas motivos para o grande fluxo de imigrantes, que tende a continuar constante.
Por entrarem de forma ilegal, muitos tinham dificuldade em conseguir moradia, assistência médica e condições formais de trabalho. Agora, a partir de uma reunião realizada no dia 10 de dezembro com o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), a regularização está mais próxima. A irmã Maria do Carmo, coordenadora do Centro de Atendimento ao Migrante de Caxias do Sul, foi uma das pessoas que se envolveu na luta dos senegaleses pela conquista de documentação.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Os senegaleses agradeceram à irmã Maria do Carmo, coordenadora do Centro de Atendimento ao Migrante| Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Ela explica que o CNIg irá fornecer vistos de permanência para os imigrantes que se encaixarem em três critérios: quem está há mais de 6 meses no país, ou a menos, mas trabalhando formalmente, ou para quem tem algum parente de primeiro grau que se encaixe nos dois primeiros critérios. Maria acredita que praticamente toda a comunidade será contemplada. “A imigração gera uma série de demandas. Eles são rapidamente absorvidos no mercado de trabalho e agora irão conseguir a documentação, mas tem a questão de moradia, da saúde, de poder encontrar seu espaço de integração no município”, acredita. “O município tem que começar a se estruturar agora, trabalhar na gestão da imigração”, completa.
Maria do Carmo foi uma das pessoas citadas pelos senegaleses durante os agradecimentos da comemoração e chamada por eles para falar algumas palavras a respeito do dia e da comunidade. “Às vezes parece que estamos no Senegal, porque nos sentimos em casa. A irmã Maria nos ajuda muito muito muito”, falou o líder da Associação de Senegaleses, Abdou Lahat Noiaye, conhecido como Bili. “Quando ela soube que íamos receber permanência, ela chorou”, afirmou. A irmã disse já se considerar parte da comunidade, da família de senegaleses. “Vocês souberam construir comunidade, construir um pedacinho de sua família aqui. Já me sinto parte da família de vocês”, disse.
A Grand Magal de Touba
Após os agradecimentos e explicações a respeito do dia sagrado, o hino do Senegal foi entoado pelas vozes de todos os imigrantes presentes, sem acompanhamento instrumental. A música é sempre presente na festa, marcada pela leitura de passagens do Alcorão e de poemas de Bamba em ritmos diversos e, algumas vezes, acompanhadas por batuques de tambores.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Os senegaleses se emocionam entoando o Alcorão em forma de músicas | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Um grupo de senegaleses ficava em cima do pequeno palco no fundo do salão, ajoelhados em roupas típicas com cópias impressas do Alcorão, lendo, recitando e cantando. Os que sentaram nas mesas compridas dispostas pelo salão muitas vezes acompanhavam os versos do livro sagrado e ouviam as rezas enquanto conversavam e comiam. A abundância da comida, que contou com carne de gado, galeto, batata frita, pão, saladas, frutas e o prato thiebou djiene – comida tradicional que consiste em peixe, arroz, cenoura e aipim – não é surpreendente para os senegaleses. “Hoje é um dia que todo mundo fica feliz no Senegal. Os peregrinos que vão são recebidos nas casas das pessoas sem pagar nada. Dizemos que tudo o que tu faz nesse dia, ano que vem vai receber mais”, explica Bili.
Ele e outros senegaleses usam uma camiseta com os dizeres “Bamba Feep, Bamba Partout”, que significa, em wolof e em francês, “Bamba está em todos os lugares”. A camiseta e o pôster com o nome da festa foram desenhados por Cheikh Mbacke Gueye, conhecido como Michel, dono de uma gráfica e experiente em artes gráficas. Exigente, ele acredita que a festa não estava tão organizada quanto poderia. “Fazemos o máximo para as visitas ficarem satisfeitas, tratamos as visitas como se fossem da família. Se eu convidar alguém para uma festa, é de graça. Então nós juntamos dinheiro e pagamos tudo”, esclarece, em um português impecável.
Michel é um dos senegaleses que está há mais tempo no país. Ele chegou há três anos e já morou em Minas Gerais, no Paraná e em Nova Araçá. Nesse período, também já voltou ao seu país duas vezes, mas sempre retornou ao Brasil. Ele aprendeu português sozinho, quando chegou “não falava nem oi”. “Eu quero conhecer tudo, agora estou aprendendo inglês”, conta.
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Michel, que já mora no país há 3 anos, tem sua própria gráfica| Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Integração em Caxias
Extremamente receptivos, os senegaleses tratam cada pessoa com muita atenção e respeito. “Nós cumprimentamos as pessoas. Tem gente aqui que eu já cumprimentei dez vezes hoje, porque isso é sinal de respeito”, explica Michel. Maria do Carmo acredita que, por isso, a comunidade deve se integrar com relativa facilidade à sociedade caxiense. “Acho que eles têm uma boa perspectiva de integração, porque tecem relações muito facilmente. É positivo esse movimento deles, dessa festa deles, de eles quererem trazer outras pessoas”, afirma
A pequena Arame, de um mês, parece representar a forma como os senegaleses já se sentem em casa na cidade. Seus pais chegaram há cerca de dez meses no Brasil e ambos falam bom português. Tranquila, a bebê dormiu nos braços da mãe e das outras duas mulheres presentes durante a festa. “De dia ela dorme assim, de noite não”, brincou Codou, que um mês após o nascimento da filha já não apresentava vestígios da barriga de gravidez. Uma das poucas mulheres que vieram para o Brasil, ela também usava uma roupa típica para a celebração, um vestido roxo e rosa. Diferentemente do que se poderia pensar a respeito de mulheres muçulmanas, as três senegalesas presentes na festa não cobriam o cabelo nem o rosto.
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Codou e a pequena Arame: uma das primeiras crianças nascidas em Caxias filha dos imigrantes senegaleses | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
As vestimentas são coloridas e, no caso dos homens, consistem em uma comprida bata larga e uma calça por baixo. No dia a dia em Caxias, eles preferem usar roupas brasileiras, guardando as típicas para ocasiões especiais. “Eu usava sempre, mas aqui não. Tem gente que acha que é pijama”, relata Michel, rindo. Enquanto se retiravam da festa, nas ruas do bairro Cidade Nova era possível avistar os senegaleses andando em seus trajes típicos, voltando para suas casas.
Já com empregos, após conseguirem seus documentos os senegaleses ainda precisarão enfrentar a tarefa de se integrar na sociedade caxiense, prioritariamente composta por descendentes de europeus. Perguntado sobre possível preconceito das pessoas da cidade – que insistem em se referir aos senegaleses como haitianos, confundindo com outro grande grupo de imigrantes – Michel não demonstra preocupação. “Em todo país tem pessoas que aceitam bem e as que não. Quem não gosta de nos é porque não nos conhece”, acredita.
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sábado, 21 de dezembro de 2013

Protagonismo e transformações culturais marcam a presença africana no Estado

Em 1940, o cenário rural da Ilha de Santa Catarina guardava sinais da presença das atividades agrícolas que marcaram a economia do litoral no século 19 e dos africanos e afrodescendentes


Protagonismo e transformações culturais marcam a presença africana no Estado EDLA VON WANGENHEIM/ACERVO DE ALDO VON WANGENHEIM
Comunidade de afrodescendentes no Rio Vermelho, área rural de Florianópolis, na década de 1940Foto: EDLA VON WANGENHEIM / ACERVO DE ALDO VON WANGENHEIM
Santa Catarina no Atlântico Negro
Por Beatriz Gallotti Mamigonian *
A foto da família negra no interior da Ilha de Santa Catarina surpreende qualquer um. Tirada por Edla von Wangenheim no Rio Vermelho, provavelmente no início da década de 1940, mostra uma mulher com três crianças diante de sua casa de pau a pique e uma vizinha, aparentemente mais velha, diante da segunda casa, onde outra pessoa aparece na janela. 

As casas ficam na beira da estrada de areia e os paus fi ncados no chão delimitam o que pode ser a horta da primeira casa. Há bananeiras nos fundos, e provavelmente roças por perto. Talvez a construção de telhado rebaixado ao lado da primeira casa fosse um engenho.

Na década de 1940, o cenário rural da Ilha de Santa Catarina guardava sinais das atividades agrícolas que haviam marcado a economia do litoral catarinense no século 19. O cultivo de alimentos voltado para o mercado interno integrou a economia de Santa Catarina às regiões de agricultura de exportação no final do século 18 e se sustentou ao longo de todo o século 19.

A produção de açúcar, feijão, milho e principalmente farinha de mandioca em pequenas e médias propriedades agrícolas se beneficiou da exploração de mão de obra escravizada africana, trazida através do comércio transatlântico.

À época da Independência do Brasil, na freguesia da Lagoa, 27% dos habitantes eram escravos, talvez metade deles africanos. Eram Angolas, Benguelas, Congos e Moçambiques. Não é difícil inferir que as pessoas retratadas em 1940 descendessem daqueles que lá trabalharam, derrubando os matos, cultivando as roças, manejando os engenhos e transportando a produção. 

O acesso à propriedade de terra por parte de ex-escravos foi mais difundido do que até agora imaginávamos. Há inúmeros testamentos de proprietários sem herdeiros naturais que legaram seus bens para aqueles que lhes haviam servido até o fi m da vida. Pode ter sido esse o caso das pessoas da fotografia. Pode ser ainda que tenham adquirido terra com recursos vindos do trabalho remunerado. Não acredite em quem lhe disse que Rui Barbosa queimou todos os documentos da escravidão, pois isso não é verdade. 

A história da presença africana em Santa Catarina vem sendo investigada a partir de registros de batismos, óbitos e casamentos; recenseamentos; inventários post-mortem; processos judiciais; legislação; registros policiais; cartas de alforria; registros de compra e venda e de pagamento de impostos; relatos de viajantes estrangeiros; anúncios de jornais; gravuras; pinturas; fotografias, entre outras fontes. 

O livro História Diversa: Africanos e Afrodescendentes na Ilha de Santa Catarina contém uma amostra dessa pesquisa recente, que além de dar visibilidade às populações de origem africana em território conhecido como açoriano, estabelece conexões mais amplas e situa Santa Catarina na história do Atlântico negro.

Marcada pela migração forçada de aproximadamente 11 milhões de africanos entre os séculos 15 e 19, a história do Atlântico negro aborda a escravidão e seu legado de discriminação, mas também as lutas dos povos africanos e afro-americanos por autonomia e cidadania plena e contra formas de opressão como o racismo e o colonialismo. Por que motivo a fotografi a das famílias negras no interior da Ilha de Santa Catarina nos surpreende?

Porque desconhecemos a história do protagonismo exercido pela população de origem africana em Santa Catarina durante o período da escravidão e depois da abolição. Sabemos que o poeta Cruz e Sousa nasceu em Desterro, filho de uma liberta, mas pouco investigamos sobre as condições de vida das pessoas "livres de cor" como ele no contexto de transformações na sociedade brasileira depois da Guerra do Paraguai (1865-1870) e da Lei do Ventre Livre (1871). 

Sabemos também que muitos ex-escravos foram pequenos proprietários rurais, mas não acompanhamos suas trajetórias nas primeiras décadas da República, quando a falta de dinamismo da economia de abastecimento e a discriminação racial parecem ter prejudicado suas chances de prosperidade. 

Sabemos ainda que no início do século 20 havia um grupo atuante de intelectuais negros como Ildefonso Juvenal, Trajano Margarida e mais tarde Antonieta de Barros, mas nos falta investigar que relações sua militância mantinha com as correntes de ideias que ligavam outros intelectuais negros no Atlântico, atores das lutas contra a discriminação, a segregação racial e o colonialismo. 

A fotografia nos surpreende, mas não deveria. Apesar das violências e limitações sofridas, africanos e afrodescendentes vivenciaram histórias de adaptação, de transformação cultural, de luta por reconhecimento e respeito e construíram uma Santa Afro Catarina que deveríamos conhecer melhor.

* É doutora em História e professora da Universidade Federal de Santa Catarina. Coordena, com a colega Andréa Delgado, o programa Santa Afro Catarina de educação patrimonial. Organizou, com Joseane Zimmermann Vidal, a coletânea História Diversa: Africanos e Afrodescendentes na Ilha de Santa Catarina publicada em 2013 pela Editora da UFSC.